Eles são holandeses, se conheceram em Israel e agora estão no México, em uma uma viagem de 30 mil quilômetros que começou no Alasca e vai terminar em Ushuaia, na Argentina. É muito cosmopolitismo, e tudo para chamar a atenção para o problema da preservação da água no mundo. Joost Notenboom, de 28 anos, e Michiel Roodenburg, de 25, viajam numa bicicleta feita de bambu e fibra de maconha e levam consigo uma garrafa de água que trouxeram do Polo Norte. O objetivo é levar a garrafa até o Polo Sul, num trajeto de 18 meses pela costa oeste da América.
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O projeto [que pode ser acompanhado pelo site
Cycle for Water, em inglês] busca investigar a relação das diferentes populações em diferentes ecossistemas com a água. No meio do caminho, eles conhecem pessoas e apoiam projetos locais que envolvam recursos hídricos. E se divertem, claro.
Leia abaixo a entrevista que o
G1 fez com a dupla, por telefone:
G1 - Como e por que vocês decidiram fazer essa enorme viagem?
Michiel - É uma longa história, mas tudo começou quando Joost e eu decidimos estudar fora, para fazer um mestrado. Escolhemos ir para Israel, ficar seis meses. Nos conhecemos lá. Joost estava escrevendo sua tese sobre a questão da água no conflito entre Israel e palestinos. Foi aí que o tema água apareceu.
Joost e Michiel no Canadá (Foto: Arquivo Pessoal) Aí fizemos uma viagem pelo Oriente Médio, fomos para Síria, Líbano, Turquia e Irã. E no Irã, no meio do nada, num deserto, conhecemos um francês que estava só com sua bicicleta. Eu e Joost pensamos: 'esse cara é louco, está pedalando pelo deserto, sozinho'. Mas depois passamos uns dias com ele e ouvimos histórias sobre as pessoas que ele conheceu, suas aventuras, e tudo era tão inspirador. Ele começou a viagem na Tailândia, passou por China, Mongólia, Sibéria, Irã. Ele estava pedalando havia um ano mais ou menos.
A história nos inspirou tanto que decidimos fazer algo parecido com o tema da água, que é uma paixão de Joost. Aí pesquisamos para que lugar ir e escolhemos do Alasca até a Argentina, porque é o maior caminho do norte ao sul e também é muito interessante passar por lugares ricos do Ocidente como Canadá e EUA e depois por lugares mais pobres, como a América Latina. É um contraste quando se fala do tema da água.
G1 - Isso será publicado depois?
Michiel - O que estamos fazendo agora é manter o site, tirar
fotos e filmar. Esperamos ter um documentário quando tudo terminar. Nunca se sabe o que vai acontecer, talvez um livro ou alguma outra publicação. Ainda temos 14 meses de pedaladas pela frente, ainda há muitas histórias a serem reveladas. Tivemos oportunidade de falar com muita gente no caminho, [...] falamos para sete universidades nos EUA, sobre a questão da água.
G1 - E vocês viajam nessas bicicletas de bambu, mesmo?
Michiel - Sim, sim! Estamos viajando nessas bicicletas de bambu, em que as estruturas são feitas de produtos naturais. E isso vai além porque tentamos apoiar a sustentabilidade, o ciclismo. Essa é a primeira tentativa desta vaigem em bicicletas de bambu. O material é flexível, absorve os impactos da estrada, é é muito leve, se comparada à bicicleta de metal, além de ser linda. Na verdade ela é feita de bambu e maconha.
A bicicleta de bambu e maconha usada pelos holandeses na viagem de Polo a Polo (Foto: Cycle for Water/Arquivo pessoal) G1 - Tá, mas o material aguenta ou quebra a cada quilômetro?
Michiel - Não, as bicicletas são superfortes. Não tivemos nenhum problema com o bambu, só um pequeno acidente, mas foi com um pedaço de titânio que quebrou, mas o bambu continuou perfeito, foi engraçado.
G1 - Vocês estão pagando pela viagem ou tiveram ajuda de alguma empresa?
Joost - Temos alguma ajuda. Decidimos fazer a viagem em novembro passado, e a coisa boa foi que minha tese sobre assuntos de água entre Israel e palestinos ganhou dois prêmios. Um deles foi de uma grande empresa chamada KPG, e eles nos apoiaram nessa viagem.
Michiel - Depois que a KPG se envolveu ficou mais fácil ter acesso a outras pessoas e patrocinadores. Nossa universidade na Holanda nos ajudou, temos patrocinadores para os equipamentos, para o site, coisas assim.
G1 - Qual foi a melhor parte da viagem até agora?
Michiel - A melhor parte foi definitivamente conhecer pessoas no caminho, outros ciclistas que estão fazendo viagens similares, aventureiros que fazem coisas malucas, mas principalmente pessoas que vivem pelo caminho em que você pedala. As pessoas têm sido tão amáveis, elas nos levam para suas casas, nos dão comida, nos dão abrigo, nos deixam passar a noite. Isso é muito interessante. Ter contato com todas essas pessoas, que têm histórias para contar. Para mim, a parte mais incrível foi essa, dividir histórias.
G1 - E a pior?
Joost - Acho que o pior foi o começo. Partimos de um lugar chamado Dead Horse, no norte do Alasca, perto do Oceano Artico. Não tivemos nenhum treinamento para a viagem. Sabíamos bastante de ciclismo, mas nunca tínhamos feito nenhum percurso muito longo, o mais longo era tipo 50 quilômetros. Isso foi duro, começar no meio do nada, esse lugar era cerca de 750 quilômetros da próxima cidade. Tivemos como duas semanas de pedaladas, foi bem horrível, milhares de mosquitos, e você era a única coisa viva em toda aquela área. [...] Foi um começo ruim, mas depois disso as coisas foram ótimas.
Michiel - Se você olhar para a viagem toda, são como 30 mil quilômetros, e parece tanto, é um ano e meio pedalando, parece impossível... Mas se você olhar dia a dia, você pedala 75 quilômetros por dia, você quebra a grande viagem em pequenas viagens, pequenos pedaços que ficam administráveis.
G1 - Vocês estão pedalando há cinco meses, certo?
Joost - Sim, começamos em 4 de julho, no Alasca. Quase cinco meses.
G1 - Vocês têm um plano de quando terminar?
Joost - Nossa meta é chegar em Ushuaia, no final da Argentina, na Terra do Fogo, antes do Natal do ano que vem. A viagem toda vai ser de 18 meses.
G1 - Qual é, na opinião de vocês, o papel do Brasil na questão da água?
Joost - Acho que no Brasil, como em muitos temas sobre ecossistemas, a bacia Amazônica é muito importante. O desmatamento irá influenciar no nível de água, não tenho certeza quanto à poluição, porque nunca estive no Brasil. Mas proteger a bacia é muito importante, é uma das maiores do mundo.
G1 - E que recado vocês dariam aos brasileiros sobre água?
Joost - Acho que a mensagem é a mesma que falamos a todos que encontramos até agora. Água é seu recurso muito precioso que não pode ser menosprezado. Enquanto existir você pode não achar que é uma questão, mas há quase um bilhão de pessoas no mundo que não tem acesso a isso. Então para os brasileiros diria o mesmo que para os argentinos e equatorianos, vocês têm seus reservatórios e precisam ser cuidados com o uso, especialmente nas áreas secas.
G1 - Como está a garrafa de água? Está segura?
Joost - Está salva. Enrolamos em uns cobertores e coloquei em minha bagagem, que carregamos na bike.
G1 - Onde vocês dormem?
Joost - Em lugares como o Alasca, nós acampávamos no meio dos arbustos, temos barracas e sacos de dormir. Na Califórnia (EUA), dormimos na praia algumas vezes. Na Baixa Califórnia (México), no deserto, nós só nos afastávamos da estrada e acampávamos. Hoje, estamos com sorte, é um dia de descanso e conseguimos uma cama de verdade em um hotel barato. É um luxo.
Michiel - A maioria das vezes, nós acampamos, mas houve muitos casos em que encontramos pessoas que nos ofereciam um lugar para ficar, ou nos abrigava no quintal de casa. É incrível, as pessoas abrem suas casas para completos estranhos. Não imaginávamos que as pessoas seriam tão hospitaleiras com dois estranhos.